Thomas A. Mitschein
*
Ailton P. Lima **
Evandro Ladislau***
* Sociólogo, Dr. Phil. pela Universidade de
Muenster, Alemanha. Pesquisador e Professor, desde 1992, em diversas unidades técnico-científicas
da Universidade Federal do Pará e de países amazônicos.
** Bacharel em geografia e Mestre em Gestão
de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia pela Universidade
Federal do Pará.
*** Assistente Social Especialista em
Inovação e Difusão Tecnológica, Mestre em Gestão de Recursos Naturais e
Desenvolvimento Local pela Universidade Federal do Pará. Ambientalista e Coordenador
Executivo da Rede Sustentabilidade no Pará.
I
No
debate ecológico internacional, a Amazônia brasileira
costuma a ser abordada como um dos mais importantes pólos da biodiversidade
nesta assim chamada vila global. Na vida real, entretanto, continua sendo uma
região periférica de um país emergente que abriga 10% do seu efetivo
demográfico e contribui para o PIB nacional com modestos 5%.
Descoberto há aproximadamente 40 anos pela
tecno-burocracia do Governo Federal como possível alavanca para o avanço
econômico da nação, o continente
amazônico se tornou objeto de um modelo de crescimento que os seus
idealizadores chamaram de desequilibrado
e corrigido. (Sudam 1976) Desequilibrado porque favorecia setores
produtivos (mineral, madeireiro, agro-pecuário, pesqueiro empresarial etc.),
dos quais eram esperadas vantagens comparativas no âmbito do mercado mundial. E corrigido, porque previa intervenções
por parte do Estado para mitigar os desequilíbrios que a implementação do
mencionado modelo trazia necessariamente em seu bojo. Contudo, o que a ação
corretiva da mão pública pressupõe, é
dispor de poder de fogo em termos financeiros.
No entanto, fatores como o pagamento dos
encargos da dívida externa, baixas taxas de crescimento econômico e,
certamente, as receitas do fundamentalismo de mercado fizeram com que esse
poder de fogo minguasse expressivamente.
As conseqüências deste enredo são bem conhecidas: a devastação da
extraordinária biodiversidade amazônica e a marginalização sócio-econômica de
crescentes segmentos da população regional acabou se tornando duas faces da
mesma medalha. E isto justamente num momento em que nos países do hemisfério
Norte a sociedade civil começava a se mobilizar cada vez mais em torno de temas
ambientais como a contaminação dos rios e dos oceanos, a destruição das florestas
e a questão climática.
De qualquer maneira, diante das pressões
que estavam sofrendo por parte desses novos atores do campo ecológico em sua
própria casa, os governos dos Sete
Países mais Industrializados (G7) aprovaram em dezembro de 1991 o Programa
Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, lançado oficialmente
durante a Eco 92 no Rio de Janeiro, que problematizava o cenário da destruição socioambiental
em nível global. No entanto, mesmo considerando que os projetos do PPG7 geraram
insumos notáveis para a definição de opções sustentáveis de aproveitamento dos
recursos naturais da região; em sua essência o Programa pouco contribuiu para a
proteção das florestas amazônicas. Aliás, por uma razão bastante simples:
limitava-se à experimentação de iniciativas piloto, deixando a questão da
transformação dos seus achados em
práticas generalizadas por conta das instâncias governamentais do Brasil. Ora,
estas, ao enfrentarem a duras penas os impactos nocivos da década do desenvolvimento perdido da América Latina, não estavam,
nem de longe, em condições de cuidar, de fato, de uma Região de dimensões continentais.
Encurraladas entre as imposições dos
representantes do sistema financeiro global - que cobravam políticas de
contenção das despesas públicas - e as reivindicações dos movimentos ecológicos
do mundo inteiro - que insistiam na implementação de políticas eficazes de
preservação da maior floresta tropical contínua deste planeta - as instâncias
da política brasileira encontravam-se no meio de um fogo cruzado, entre cobranças nitidamente excludentes. Poderiam
atendê-las, concomitantemente, caso soubessem assobiar e chupar cana ao mesmo tempo. Mas já que não sabiam,
seguiam as receitas que vinham dos grão-vizires
da banca internacional.
Em
conseqüência, se instalou na Amazônia, no decorrer da última década do século
XX, uma “fronteira experimental” (B. Becker), onde inúmeros atores (inter)
nacionais insistiam em testar alternativas ao cenário da destruição
sócio-ambiental. Mas, embaixo desta redoma artificial, por sua vez distante das
raízes sócio-culturais dos próprios protagonistas regionais, potencializavam-se
os desequilíbrios que a forçada ocupação da Região tinha gerado,
manifestando-se através de uma crescente concentração fundiária, de um inchaço desenfreado das áreas urbanas e
de expressivas taxas de desmatamento, que acabaram transformando a hiléia amazônica na maior emissora de
carbono de todo o Brasil.
E essa
situação continua em vigor. Na região inteira!
Apesar do fato de que na década passada o Governo Federal tenha
insistido na retomada do papel do Estado como indutor e regulador do
desenvolvimento nacional, implantando uma espécie de capitalismo organizado que
gira em torno da função estruturante da mão
pública, mas obviamente não foge das imposições de um sistema econômico
global (que, ao forçar todos os seus stakeholders
a rezar o pai nosso da competitividade sistêmica) está aprofundando a
polarização social e espacial no âmbito do território nacional, deixando,
conseqüentemente, a Amazônia em sua condição de refém do mencionado modelo de
crescimento desequilibrado que lhe foi imposta nas últimas décadas do século
passado. (Mitschein, Chaves 2014).
II
"Transformando a Amazônia o Brasil se
transformará. (...)”, escreveu Roberto Mangabeira Unger, que entre outubro de
2007 e junho de 2009 foi responsável pela Secretaria de Assuntos Estratégicos
do Governo Lula. E prossegue: “Hoje, a discussão do destino da Amazônia serve
como alavanca de pressão do mundo sobre o Brasil. Pode, porém, abrir espaço para
nós no mundo. Para isso, temos de mostrar como, ao reafirmar nossa soberania na
Amazônia, podemos fazê-lo a serviço não só do Brasil, mas, também, da
humanidade. Uma iniciativa nacional a
respeito da Amazônia é capaz de esclarecer e de comover o país. Presta-se a uma
iniciativa de libertação nacional. No século 19, completamos a ocupação do
litoral. No século XX, avançamos para o centro-oeste. No século XXI, reconstruiremos o Brasil ao reinventar a Amazônia."
(Belém 2008, p. 1, destaques dos autores)
Abordando
os territórios já desmatados da região - uma gigantesca massa territorial de
quase 800.000 km2 que ultrapassa mais de duas vezes a extensão geográfica de um
país inteiro como a Alemanha reunificada - como virtual espaço de inovação,
onde se deve construir "na agricultura, na pequena indústria e nos
serviços um modelo econômico que não repita os erros do passado", o
intelectual brasileiro defende a geração de sinergias entre "indústrias de
ponta, "pós-Fordistas" (que) podem produzir, de maneira não padronizada,
máquinas e insumos que a retaguarda de empreendimentos menores e mais atrasados
consiga usar." (ibid. p. 4).
Contudo,
há de se levar em conta que uma iniciativa ambiciosa de recuperação das áreas
alteradas da Amazônia através de sua revitalização econômica em moldes sustentáveis,
se choca frontalmente com as determinações de uma política econômica que, não
obstante sua retórica anti-neoliberal, reserva a setores como educação, ciência
e tecnologia, gestão ambiental, agricultura, organização agrária e indústria magros 5,68 % do Orçamento Geral da
União, mas destina aproximadamente 40% ao pagamento de juros, amortizações e
refinanciamentos da dívida pública do país (dados de 2013). No entanto, por
mais que esta "brutal transferência de recursos públicos para o setor
privado - nacional e internacional" (Fatorelli, 2011) esteja representando
hoje o nó górdio da política
brasileira, os principais protagonistas desta última demonstram pouca vontade
para desatá-lo porque preferem evitar conflitos com os bancos nacionais,
estrangeiros e investidores internacionais que, junto com as seguradoras, detêm
62% do estoque da divida pública brasileira. Trata-se, sem dúvida, de uma
postura entendível no âmbito de um sistema econômico global que, mesmo depois
da queda do Muro de Wallstreet em
2008, continua sujeito aos humores dos mercados financeiros que, pelo seu
próprio tamanho e seu baixo nível de regulação, conseguem atrelar, no mundo
inteiro, a política real às suas expectativas de rentabilidade. Mas, não deixa
de revelar uma predisposição perigosamente omissa, uma vez que acaba empurrando com a barriga as dramáticas
mazelas sociais e ambientais que, das mais diversas formas, estão castigando
todos os territórios do Brasil. E, ainda mais: está negligenciando radicalmente
o excepcional poder de barganha que, em princípio, a maior floresta tropical do
planeta e os extraordinários serviços ambientais, suscitados por ela, podem
proporcionar para o Brasil numa sociedade planetária que está cada vez mais ameaçada
pela acelerada destruição das bases naturais de sua sobrevivência.
Mas, como transformar esse poder virtual
em uma realidade palpável?
No
dizer de Mangabeira Unger, através de uma política que faz do
"soerguimento da Amazônia prioridade brasileira na primeira metade do
século XXI," transmitindo com clareza de que maneira a reafirmação da
soberania nacional no território amazônico servirá tanto ao Brasil como à
humanidade toda. Uma política, portanto, que precisa se afirmar através do
estabelecimento de uma relação mais equilibrada entre economia e ecologia que,
no âmbito do trópico úmido, pressupõe a criação de uma moderna civilização da biomassa, capaz de matar dois coelhos com uma
cajadada só: ao priorizar o "uso múltiplo da biomassa terrestre e
aquática como alimento humano, ração para animais, adubo verde, bioenergias,
materiais de construção, fibras, plásticos, demais produtos da química verde e
dos bio-referenciais do futuro" (Sachs 2009) acaba incentivando, aliás, em
todas as regiões do território nacional, as potencialidades endógenas de
desenvolvimento dos múltiplos espaços locais. E pelo fato de abordar os
ecossistemas ainda intactos como um renovável tesouro de insumos naturais para
os mais diversos campos da reprodução humana, está justificando de uma maneira
didaticamente clara a necessidade imperiosa de sua proteção, facilitando,
assim, a "redução da velocidade do desmatamento" que, no caso
brasileiro, representa o "maior potencial de mitigação do efeito estufa"
(Fearnside, 2003, p. 72). E mais: proporciona condições para organizar trocas mutuamente
benéficas entre os habitantes das reservas indígenas da Amazônia e as
populações do seu entorno no âmbito de iniciativas de reflorestamento com
espécies nativas.
Nesse
contexto, cabe lembrar que, em territórios de colonização antiga e recente como
no nordeste e no sudeste do Estado do Pará, os últimos estoques de floresta
primária se encontram justamente no
habitat dos povos Tembé e Kayapó, onde o desmatamento e a ocorrência de
incêndios são reconhecidamente bem menores do que nas áreas fora do seu
perímetro. (Mitschein, Rocha, Dias 2012)
Contudo,
por mais que estejamos reconhecendo que o
mainstream da política brasileira continua dando pouca atenção a
estratégias acima referidas, encaramos a intensificação de sua discussão nos
mais diversos foros da sociedade civil, do setor privado, e das instituições
públicas como uma necessidade imperiosa e inadiável diante dos evidentes gargalos
de um regime de acumulação de cunho neo-desenvolvimentista que potencializa
visivelmente as polarizações sócio-espaciais no Brasil inteiro e não livra a Região
amazônica do seu papel de colônia mineral e energética das regiões economicamente
mais competitivas do país.
Entendemos
que a iniciativa de discutir alternativas para a construção de um Brasil
sustentável, passa, também, pelo comprometimento com um amplo debate a reinvenção
da Amazônia nos termos sucintamente levantados. Termos, aliás, que se opõem com
veemência às “soluções uniformizantes que a tecnocracia arrogante e
despreocupada com o contexto social, tenta impor ao mundo inteiro”. (Sachs 1986,
p. 124).
Literatura:
Fatorelli,
M.,L.: A inflação e a divida pública, in: Le Monde Diplomatique, Ano 4, Número
64, junho 2011
Fearnside,
P.: A Floresta Amazônica nas Mudanças Globais, Manaus 2003
Mangabeira
Unger, R.: Projeto Amazônia - Esboço de Uma Proposta, Belém 2008
Mitschein,
T.,A.; Rocha,G.;Dias, C.: Territórios Indígenas e Serviços Ambientais na Amazônia:
O Futuro Ameaçada do Povo Tembé no Alto Rio Guamá (PA), Belém 2012
Mitschein,
T.,A.;Chaves, J.;F.: Desenvolvimento local e o Direito à Cidade na Floresta Amazônica, Belém 2014
Sachs,I.:
Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir, São Paulo 1986
Sachs,
I.: Rumo à Ecosocioeconomia. Teoria e prática do desenvolvimento, São Paulo
2006
Sachs,
I.: A crise: Janela de oportunidade para os países tropicais, in Le Monde Diplomatique,
Brasil, http: UOL.com.br/2009 -02
SUDAM:
II Plano Nacional de Desenvolvimento. Programa de Ação do Governo para a
Amazônia, Belém 1976