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28 de junho de 2013

Os índios e a expropriação da terra no Brasil

Por Claudionor Araújo* 

A história do encontro de culturas sempre foi marcada por conflitos e expropriação, da terra e de seus povos. No caso da invasão europeia no Brasil, as estimativas mais tímidas apontam para o assassinato de quase quatro milhões de índios, dos quais teriam sobrado apenas duzentos mil. Um genocídio em seu sentido mais realista, para o qual jamais haverá reparação suficiente. A invasão do Brasil consistiu da desocupação da terra para fins de exploração de seu potencial natural. Foi um processo lento e longo (e ainda vigente) de extermínio humano com o propósito claro de deixar os índios brasileiros sem terra e a terra brasileira sem índios.

Os quatro milhões (ou mais) de índios presentes, em 1500, na terra correspondente ao que hoje é o território brasileiro, se dividiam em centenas de povos. Certamente que havia disputas pela posse da terra entre esses povos, fato comum em todos os continentes. Mas eram eles os únicos e legítimos donos destas terras, muito embora a posse da natureza não seja uma ideia passível de expressão em muitas culturas indígenas. Hoje, no Brasil, apenas 105 milhões de hectares correspondem a terras indígenas, o equivalente a 12,41% de um território que lhes pertenceu totalmente por milhares de anos antes da chegada dos europeus. E mesmo a pouca terra que lhes restou permanece constantemente ameaçada de invasão e expropriação por parte de fazendeiros, mineradoras e megaempreendimentos do governo federal para a produção de energia. É a expropriação plenamente institucionalizada, seja por particulares, por grandes empresas ou mesmo pelo Estado.

Nesse confronto, a regra tem sido a culpabilização dos índios por deixarem a terra “ociosa”, por indisponibilizarem-na à exploração de minérios e por obstruírem a produção da energia necessária para o desenvolvimento do país. Segundo esse discurso, os índios e sua cultura milenar representariam o atraso e deveriam ser incorporados pela cultura dos não-índios, hegemônica, para o próprio bem dos índios e para o progresso do país. Em suma, tudo o que importa no fim das contas é que saiam da terra, seu lugar de sobrevivência, deixando-a livre para os que sempre a viram apenas como meio de produção de capital, em detrimento de todas as formas de vida que ainda persistem em se manter.

Essa tem sido a visão predominante do europeu sobre a terra: de oposição ao homem e do domínio deste sobre aquela para usufruto de seus recursos. Nessa perspectiva, os índios estariam realizando um uso primitivo e, portanto, limitado de todos os recursos que a terra oferece. A cultura dos não-índios, ao contrário, elevaria o domínio da terra e a exploração de seus recursos à plena potencialidade.

De outro ponto vista, dos próprios índios, a terra jamais se constituiria uma oposição, muito menos um domínio com recursos a serem explorados. Não há oposição, pois são parte uma dos outros e vice-versa: ela a fornecer-lhes meios de subsistência; eles a transformarem a terra para esse mesmo fim, constituindo-se nela como homens. Não há domínio, pelo menos dos índios sobre a terra; não são seus donos no entendimento original de sua cultura. São eles que lhe pertencem, e ela lhes confere sua própria identidade: índios desta terra.

Nas atuais disputas de terra entre índios e não-índios no Brasil, para que estes últimos disponham dela e a explorem até o seu limite potencial, o esgotamento de seus recursos, precisam antes retirá-la de seus habitantes, os índios; ou retirá-los dela. Esse seria o sentido duplo, muito apropriado para a expropriação. Pois, se de um lado, significa retirar dos índios a posse da terra; de outro, significa retirar da terra aqueles que são legitimamente seus. Seus povos, seus filhos.

* O Autor colabora com o blog e é doutorando em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG

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